PArte I
Por Paulo Pavão
Eram 23h00 quando aterrei na cidade da Guatemala. Tinha sido uma longa viagem, estava cansado, mas sabia que esta era uma viagem muito especial. Há muitos anos que aguardava voltar a fazer uma incursão pelos países da América Central e desta vez queria completar o que havia ficado em falta: conhecer melhor a Guatemala, algo mais de Honduras e pela primeira vez visitar El Salvador e Nicarágua.
O processo da alfândega foi muito rápido e simples, apenas com o preenchimento do formulário do costume e em poucos minutos já tinha o passaporte carimbado. Aguardava-me o Sr. Jorge para me levar ao hotel. O trajeto foi bem curto, uma vez que a zona 10 fica a curta distância do aeroporto, sendo conhecida por ter grande parte dos hotéis da cidade, lojas e restaurantes.
A Guatemala localiza-se na américa central e possui fronteiras a norte com o México, a este com o Belize e ainda com El Salvador e Honduras a sudeste.
O país tem costa marítima com o oceano pacífico e também com o atlântico pela zona do mar das caraíbas. É atravessado por duas cordilheiras com picos que ultrapassam os 4.000 metros de altitude e possui 33 vulcões, sendo que 3 deles encontram-se ativos (Pacaya, Fogo e Santa Maria).
A Guatemala foi o principal centro da civilização maia entre os séculos IV e IX, o que nos dias de hoje ainda tem uma forte e inequívoca influência na sua população. Dos 14 milhões de habitantes do país, cerca de 60% descende diretamente dos maias, tendo a restante população uma mistura com outros povos colonizadores. O país é o mais próspero a nível industrial de toda a América Central. Nas planícies costeiras encontra-se grande parte da atividade agrícola, nomeadamente o café, a cana de açúcar e a banana. A moeda oficial é o quetzal que é também o nome da ave mais emblemática da nação.
Após algumas horas de sono profundo, já me aguardam às 7h da manhã para iniciar o primeiro dia do que iria ser uma longa viagem que me levaria desde a Guatemala até à Nicarágua. Hoje iria ter a experiência de subir ao vulcão “Pacaya”, vulcão ativo e que teve a última erupção há cerca de um ano e meio. Pelo caminho passei por outros três vulcões (Água, Acatenango e Fogo) onde a paisagem é sempre deslumbrante e o verde é a cor predominante. O vulcão Fogo está em atividade, deitando fumarolas constantemente, e duas semanas depois da minha passagem chegou a expelir lava. Mesmo ao lado está o vulcão Acatenango, que por ser mais alto possibilita uma aventura de escalada de cinco horas com a possibilidade de pernoitar no topo e admirar a atividade do vulcão vizinho, sem falar da vista fabulosa em redor. Fica aqui a dica para os amantes de escaladas.

Mas hoje o dia seria para escalar outro vulcão, o Pacaya, que é também o mais turístico da Guatemala. A subida é um pouco mais curta, uma vez que não se consegue aceder ao topo, mas sim à zona de lava, ainda morna, resultante da última erupção. A experiência não é menos surpreendente e toda a paisagem em redor é grandiosa. No ponto alto da subida existem vários focos de vapor a sair pelas rochas de lava e a sensação é extraordinária. Aqui existe apenas um pequeno negócio de souvenirs feitos à base de pedras de lava e metal precioso e também um pequeno e muito rudimentar negócio de pizzas preparadas com o calor oriundo do próprio vulcão (uma experiência única). O regresso fez-se pelo mesmo caminho de subida e, incrivelmente, pareceu mais longo.
De regresso à cidade da Guatemala era agora tempo de fazer um tour pela cidade, nomeadamente pela zona histórica. Aqui podemos sentir o frenesim do dia-a-dia da capital e visitar o mercado central onde dezenas de vendedores com seus trajes coloridos vendem desde frutas, legumes, carne, peixe, tecidos, e muitas iguarias locais. Visitar um mercado local é sempre uma experiência cativante e que faz mexer todos os sentidos, valendo sempre muito a pena.
Outro ponto alto é a visita ao Palácio da Cultura, palácio do antigo presidente Jorge Ubico, que foi também quem o mandou construir em 1939, e que é conhecido como o palácio verde devido à pedra utilizada na construção das fachadas (o verde era a cor preferida da esposa do ex-presidente). Hoje em dia, embora ainda tenha algumas salas ocupadas por ministérios do governo e salões para eventos cerimoniais, é a atração turística mais visitada da Nova Guatemala de la Asunción (mais conhecida por Cidade da Guatemala).
Outros pontos de interesse são a praça central ou parque central, tal como é denominado, a Catedral Metropolitana do século XIX, de traços arquitetónicos clássicos e barrocos e repleta de pinturas coloniais e esculturas religiosas, o museu do traje Indígena e o Museu Popol Vuh, que abriga uma das maiores coleções de arte maia a nível mundial.

O dia seguinte começou um pouco nublado, mas rapidamente o sol abriu e já estava a caminho de uma das cidades mais carismáticas da Guatemala, Chichicastenango. Pelo caminho há que subir e descer montanhas, já que toda esta zona é atravessada por uma das cordilheiras, e no percurso cruzamos constantemente com inúmeros autocarros, localmente conhecidos por “chicken buses”. Além de passageiros levam também toda a mercadoria transportada pelos próprios, desde galinhas, mobílias e produtos vários, uma vez que é o transporte local mais económico e rápido. São antigos autocarros escolares comprados aos Estados Unidos em segunda mão e que posteriormente são completamente transformados a nível de motores e de aspeto visual exterior, com imensas cores, luzes e curiosamente denominados com nomes femininos.

Chichicastenango encontra-se a 1.985 metros do nível do mar e a 140 km da capital, mas devido à orografia do terreno a viagem dura cerca de três horas aproximadamente. A visita a esta cidade é considerada como uma aula de antropologia pela autenticidade da cultura maia ainda vivenciada nos dias de hoje, pela diversidade de artesanatos e tecidos coloridos, pela forte gastronomia baseada em produtos da terra (milho, cacau, pimenta) e pelos rituais fúnebres maias que diariamente se realizam tanto na igreja de Santo Tomás como no colorido cemitério da cidade.

Os dias fortes de mercado são o domingo e a quinta-feira, em que as ruas ficam repletas de vendedores de coloridos produtos para todas a necessidades, desde os alimentícios aos eletrónicos. É sem dúvida nestes dias que afluem grande parte dos visitantes tanto estrangeiros como de outras localidades circundantes. O lema é negociar antes de comprar. Existem muitos espaços para provar as iguarias locais; fazer uma refeição por aqui é também uma excelente opção.

Saindo de Chichicastenango, todos os sentidos estão em alta, sendo agora tempo de procurar um local mais tranquilo, e nada melhor do que descer um pouco até ao Lago Atitlán. Digo um pouco pois este grande lago endémico fica também situado nas terras altas da Guatemala (1.562 metros de altitude) e é considerado o mais profundo da américa central com 340 metros de profundidade máxima.
Este lago cobre uma área de 126 km2 rodeado por escarpas altas e por outros três vulcões (Santiago, San Lucas e San Pedro), tendo sido considerado um dos mais belos lagos do mundo. Encontra-se rodeado de várias aldeias maias que podem ser visitadas através de pequenos percursos de barco com paisagens de cortar a respiração. Panajachel é a maior localidade nas margens do lago e com maior oferta hoteleira. Daqui saem grande parte dos tours que se podem fazer no Lago Atitlán (kayak, passeios de btt, escalada ao vulcão Santiago, vista às ruínas de Iximxé, entre outros).


A principal rua comercial termina num pequeno passeio marítimo com vistas deslumbrantes a qualquer hora do dia. Restaurantes e lojas com produtos locais não faltam para quem se quer entreter, provar gastronomia local ou simplesmente beber uma “gallo”, a cerveja mais popular da Guatemala, numa esplanada frente ao lago a admirar a bela paisagem.
Após pernoitar no Hotel “Porta del Lago”, com excelentes vistas para a paisagem circundante e para os vulcões, e após um bom pequeno almoço, era hora de apanhar a lancha para fazer um passeio pelo lago e visitar uma das sete aldeias maias. San Juan de la Laguna foi a escolhida e superou as expectativas. Na aldeia podem visitar-se vários negócios locais de fabrico de chocolate, café, tinturaria de tecidos, ervas aromáticas e muitos outros negócios de artesanato.


Subir a rua principal é um bom exercício físico uma vez que é bastante íngreme, mas existem alternativas de poder subir em tuk-tuk e depois descer com calma para poder explorar as várias lojas e negócios locais. Opções para comer também não faltam e tudo tem muito bom gosto.
De regresso a Panajachel são mais 30 minutos de lancha para apreciar novamente a deslumbrante paisagem do lago Atitlán em redor e seguir depois viagem para a icónica Antígua Guatemala, considerada património da Humanidade pela UNESCO desde 1979.
Continuei pelas terras altas e agora a estrada era bem mais sinuosa pois havia que atravessar as escarpas em redor do lago. Duas horas depois cheguei finalmente à colonial e fantástica cidade de Antígua Guatemala. É de fato um regresso na história pois a cidade foi fundada em 1543 com o peculiar nome de: Muy Nobre y Muy Leal Cidade de Santiago dos Cavaleiros da Guatemala.

Durante dois séculos foi a capital da colónia espanhola da capitania da Guatemala, altura em que, devido a um forte sismo, ficou completamente destruída e acabou por ser transferida para onde se encontra hoje a atual capital (a cerca de 50 quilómetros de distância). No entanto, os habitantes voltaram a reconstruir a cidade e acabou por ficar com o nome de Antígua Guatemala. Foi mantida a traça original de todo o casario com máximo de dois pisos e com ruas empedradas. Percorrer as ruas de Antígua trás uma sensação de viagem no tempo à época colonial. Grande parte das lojas, cafés e restaurantes têm excelente decoração e são muito convidativos. Além da arquitetura colonial, existe outro elemento muito importante e de atração que é o vulcão Água, o qual pode ser visto de grande parte das ruas ou recantos e que embeleza muitas das imagens fotográficas que vemos desta bela cidade em todos os promontórios de divulgação do destino.
Os lugares de destaque a não perder durante a estadia encontram-se em torno do parque central, onde se localizam três edifícios importantes: a Catedral de Santiago, edificada no século XVI e reconstruída após o terramoto de 1773, a Câmara Municipal e o Palácio dos Capitães Gerais, que foi sede da capitania geral da Guatemala no período colonial. Este último edifício alberga hoje em dia o Museu Nacional de Arte da Guatemala, que é de entrada gratuita.
Um dos locais mais visitados e fotografados da cidade é sem dúvida o Arco de Santa Catarina em estilo barroco do século XVII e que pertencia às freiras reclusas do convento de Santa Catarina Virgem e Mártir. Passando por baixo do arco e seguindo a rua empedrada encontramos a Igreja e Convento de la Merced, ambos do século XVIII.
Na cidade existem cerca de 30 edifícios religiosos e um dos mais emblemáticos é também o Convento de Santa Clara (ruínas) com bonitos claustros e onde habitaram as religiosas da ordem das claritas no século XVIII.



Não convém abandonar a cidade sem subir ao “cerro de la cruz”, uma pequena montanha a curta distância do centro e onde se pode ter uma vista completa da cidade com o vulcão Água como fundo.
Antígua Guatemala é uma cidade para descansar, apreciar a história, fazer compras de produtos locais, fazer algumas caminhadas e apreciar a natureza, uma vez que está rodeada de vulcões.
Quanto à hotelaria existem bastantes hotéis de 4 e 5 estrelas de excelente qualidade e praticamente todos inseridos em edifícios/casas coloniais. Difícil será escolher, mas deixo a recomendação para o hotel “Porta Antígua”.
Após duas noites nesta encantadora cidade era altura de continuar viagem e seguir o rumo da história, mas em sentido inverso. Era o dia de apanhar um voo doméstico rumo a Flores, no norte da Guatemala. Apenas 45 minutos de avião, mas o propósito seria viajar muitos séculos atrás até à época clássica da civilização maia. Era dia de visitar Tikal, a maior e mais importante zona arqueológica maia existente.
Aterrar em Flores (Aeroporto Internacional Mundo Maya) é também uma ótima experiência visual, uma vez que se encontra numa zona de grande floresta tropical que ocupa quase toda a província norte de Petén. A cidade fica situada no meio do Lago Petén e está ligada por uma ponte a terra firme. Após a chegada o percurso até Tikal dura cerca de 1h30 por estrada.
Esta importante zona arqueológica maia foi declarada património da humanidade pela UNESCO em 1979. Foi a capital de um dos reinos mais poderosos dos antigos maias que atingiu o seu apogeu durante o período clássico. Durante esse tempo a cidade dominou grande parte da região maia a nível político e económico.
O sítio arqueológico possui dezenas de construções antigas, sendo que apenas uma fração foi cientificamente escavada em décadas de trabalho de arqueologia.


Os edifícios mais proeminentes são 6 Templos/Pirâmides: O Templo do Jaguar (um dos mais emblemáticos e fotografados), o Templo das Máscaras (ao qual se pode subir), o Templo do Sacerdote (também permite a subida), o Templo das Inscrições, o Templo do Mundo Perdido, o Templo da Serpente bicéfala (o mais alto e ao qual também se pode subir e contemplar uma vista de cortar a respiração). Este é o templo mais afastado e o mais alto de todos, com 72 metros de altura. Do topo permite-se avistar os restantes templos que se ressaltam por cima das copas árvores. É um momento e uma imagem para nunca mais esquecer.

Entre as várias praças do complexo, o caminho faz-se por entre o verde das árvores da floresta onde se destacam as “Ceiba”, a árvore nacional da Guatemala. O percurso é acessível a todos e existem pontos de descanso com bebidas e casas de banho. No complexo existem ainda vários palácios reais, pirâmides menores, palácios residenciais, estelas e monumentos de pedra.
A visita dura cerca de duas horas e recomenda-se que seja acompanhada de um guia para que se consiga ter uma informação mais completa, entender melhor como era a vida da comunidade maia naquele tempo e ainda fazer o percurso mais correto. No final, um almoço no restaurante do centro de visitantes vem repor as energias gastas. A refeição é tradicional, mas muito bem confecionada e acompanhada com água de jamaica (refrigerante natural à base de chá de ibisco).
De regresso a Flores, era altura de descansar pois o voo foi bem cedo, ao nascer do dia, e depois de toda a caminhada e excitante experiência em Tikal, valeu a pena dar um mergulho na piscina do hotel com vista para o lago Petén. Mais tarde ainda houve tempo de dar um passeio pelas estreitas ruas desta pequena e colorida cidade que encanta pela localização geográfica que tem. Aqui, muitos dos restaurantes e bares oferecem decorações convidativas e apetece entrar em todos para experimentar os sabores locais. Cheirava bem e o apetite já voltava a despertar. O ambiente é muito descontraído e encontram-se bastantes turistas em trânsito que seguem viagem ou regressam do Belize que fica apenas a 1 hora e meia de distância.

Decidi então, tomar uma cerveja “gallo” num rooftop e ficar a admirar a paisagem do lago e os barcos que passeiam turistas ou que apenas transportam pessoas das pequenas ilhotas ou das margens mais distantes. No dia seguinte esperava-me uma viagem longa até ao Rio Dulce na província de Izabal, um dos rios mais importantes da Guatemala e que desagua no Atlântico, mais propriamente na zona do mar das Caraíbas. Iria visitar a aldeia “garifuna” de Livingston e passear de lancha for fortalezas e por canhões naturais…
Paulo Pavão – Profissional da indústria do turismo, há 20 anos que adora conhecer o mundo. É um viajante e não um turista. Recentemente fez uma viagem pela América Central que agora relata em vários artigos no Vou Sair.