Em Junho, viajámos a convite do SEBRAE para descobrir uma das regiões mais fascinantes, e menos conhecidas, do Brasil: o Pantanal mato-grossense. A expectativa era grande. Saímos de Lisboa num voo direto para São Paulo e, após uma curta escala, seguimos para Cuiabá, capital do estado de Mato Grosso. Mais duas horas de viagem e estávamos na cidade que serve de porta de entrada para um dos maiores santuários de biodiversidade do planeta.
O Pantanal é uma imensa planície alagável, partilhada pelos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, com cerca de 210 mil km², dos quais 150 mil pertencem ao Brasil. Uma área comparável à de quatro países europeus juntos. É o lar de milhares de espécies, muitas endémicas, e o palco de um ciclo anual de cheias e secas que transforma por completo a paisagem e dita o ritmo da vida selvagem.
Antes de descer às planícies pantaneiras, fizemos um desvio que se revelou essencial para compreender o equilíbrio natural da região: a Chapada dos Guimarães. Situada a cerca de uma hora de Cuiabá, esta imponente formação geológica alberga o Parque Nacional da Chapada dos Guimarães, uma área protegida de mais de 30 mil hectares, criada para preservar as nascentes de rios que descem até ao Pantanal. Um território de escarpas, vales e vegetação exuberante, onde começa a desenhar-se o delicado equilíbrio que sustenta o maior ecossistema alagável do planeta.

Partimos de manhã pela rodovia 251 e, à medida que nos afastávamos de Cuiabá, a paisagem começou a transformar-se. Deixámos o ambiente urbano para trás e entrámos num território onde o tempo parece ter outra cadência. A estrada pavimentada conduz-nos até à Chapada dos Guimarães, uma formação geológica que se estende por mais de 150 quilómetros, marcada por imponentes paredões de arenito que chegam aos 350 metros de altura.
A paisagem que se impõe à nossa frente é o resultado de milhões de anos de transformações geológicas. A Chapada formou-se há cerca de 15 milhões de anos, na sequência de movimentos tectónicos associados à elevação da Cordilheira dos Andes. O que antes era fundo de mar tornou-se planalto, esculpido pela erosão, pelas chuvas e pelo vento. O relevo abrupto, com escarpas e fendas profundas, transmite uma sensação constante de escala alterada, como se estivéssemos a percorrer um cenário fora do tempo.
Estamos a cerca de 850 metros de altitude, e isso nota-se: o ar é mais leve, a temperatura mais amena, a vegetação mais densa e diversa. A Chapada é conhecida como o “berço das águas”, por concentrar as nascentes de rios como o Cuiabá, o Coxipó e o Manso. São estes cursos de água que descem em direção ao Pantanal e alimentam o seu sistema de cheias e secas. Sem esta plataforma elevada, o Pantanal não existiria como o conhecemos. Por isso, visitar a Chapada antes de descer às planícies pantaneiras é quase indispensável para compreender a lógica natural da região.


Mas a Chapada também tem história. A cidade que lhe dá nome foi fundada por colonos portugueses em 1751 e batizada em homenagem a Guimarães, no norte de Portugal. Hoje, é uma pequena cidade de cerca de 22 mil habitantes, com um ambiente tranquilo e marcado pelo ritmo das caminhadas, da natureza e de uma certa introspecção que a paisagem parece inspirar.
Entre os muitos atrativos, visitámos a cascata Véu de Noiva, a mais visitada em todo o estado de Mato Grosso. O trilho até ao miradouro atravessa formações rochosas onde ainda se encontram fósseis incrustados nas pedras. A vista é arrebatadora. Não é permitido nadar ali, mas não faz falta: o impacto visual é tão forte que nos obriga a parar e contemplar.
Seguimos para a Salgadeira, onde sim, é possível tomar banho numa das cascatas mais acessíveis da zona, e depois para o Vale dos Gigantes, onde uma rocha em forma de caracol parece condensar milénios numa espiral de pedra. Para fechar o percurso, subimos até ao Morro dos Ventos. Lá do alto, a paisagem abre-se num horizonte quase infinito, onde o cerrado dá lugar, ao longe, às planícies pantaneiras.

Nesta região, três biomas coexistem: o cerrado, a Amazónia e o Pantanal. Em nenhum outro ponto do Brasil é possível observar com tanta clareza esta confluência. Há cavernas (incluindo a maior de arenito do país), pinturas rupestres, fósseis de dinossauros e uma diversidade impressionante de flora e fauna. Só no Parque Nacional da Chapada dos Guimarães, foram identificadas mais de 650 espécies de plantas e quase 10 mil em toda a região. Pelo caminho, cruzámo-nos com araras – que vivem sempre em casal, já que são monogâmicas – e tivemos a sorte de avistar a coruja-buraqueira, com o seu olhar penetrante e quase teatral.
Por tudo isto, a Unesco estuda a possibilidade de transformar a Chapada dos Guimarães num Geoparque. A área é extensa e muitos trilhos não estão sinalizados, pelo que só recomendamos a visita com um guia local. Ter alguém que conhece bem o território e que explica com rigor o que estamos a ver faz toda a diferença.
E, claro, não deixámos a Chapada sem provar algumas especialidades locais. Entre os pratos típicos, destacamos a Maria Isabel, uma combinação de arroz, carne seca e farofa de banana, e os peixes da região, como o pacu assado e o pintado.
Foi uma visita breve, mas essencial. A Chapada dos Guimarães deu-nos o contexto geológico e ecológico do que viríamos a encontrar mais adiante. Com os sentidos despertos e uma nova perspectiva sobre o território, regressámos a Cuiabá para nos prepararmos para a etapa seguinte e mais aguardada da viagem: a descida pela Transpantaneira até Porto Jofre, o território da onça-pintada.



INFORMAÇÕES ÚTEIS
Como chegar: A forma mais simples para quem parte de Portugal é:
- Voo de Lisboa para São Paulo (GRU) – voos diretos regulares.
- Voo doméstico de São Paulo para Cuiabá (CGB) – cerca de 2h de viagem.
- A partir de Cuiabá: Para visitar a Chapada dos Guimarães: cerca de 60km (1h de carro).
É possível alugar carro, contratar um transfer privado ou agendar a visita através de uma agência de viagens. Guias locais são recomendados, tanto pela segurança como pela riqueza de informação que acrescentam à visita – muitos dos pontos mais interessantes não estão sinalizados.
Guia turístico: Agência Caiman Tour (Filipe) – Instagram – +55 65 8429-5518 (valor sob consulta)
Melhor altura para visitar: Os meses mais recomendados para visitar a são de maio a setembro, durante a estação seca. O clima é mais ameno, há menos mosquitos e os trilhos ficam mais acessíveis. Na estação das chuvas (de outubro a abril), as paisagens ficam mais verdes e as cascatas ganham força, mas o calor é mais intenso e algumas atividades podem ser condicionadas pelo estado das estradas.
Recomendações práticas
- Levar repelente de insetos,
- Usar roupas leves, chapéu e protetor solar,
- Calçado apropriado para caminhadas,
- Levar fato de banho para nadar nas cascatas.
Restaurante: Trapiche Regionalissimo – Av. Rio da Casca, 414 – Chapada dos Guimarães (cerca de 15€ refeição buffet com bebida)