O dia já amanheceu quando aterramos no aeroporto de São Tomé pelas 6h10 (menos uma hora em Portugal). A esta hora, o Boeing 767-300, alugado à companhia aérea EuroAtlantic pela STP Airways, é o único avião na pista. O aeroporto principal do arquipélago de São Tomé recebe voos de apenas seis companhias aéreas, incluindo a STP Airways e a TAP, que têm voos diretos de Portugal.
São Tomé não é, para já, o nosso destino final, onde ficaremos durante quatro dias, para depois regressar a São Tomé. A escala é curta, apenas o tempo suficiente para recolher as malas e fazer um novo check-in. O voo diário interilhas é operado por uma pequena aeronave de apenas 19 lugares, permitindo aos passageiros levar bagagem de porão até 15 kg e um volume de mão.
À chegada ao Príncipe, a receção é calorosa, ao som dos cânticos do Grupo Modena e de uma dança tradicional da ilha – a Dêxa. A acompanhar o grupo está Ewander Pires, diretor do Turismo do Príncipe. Retribuímos as boas-vindas com sorrisos, fotografias e vídeos do momento.
À porta do aeroporto está Ofreu, um dos 18 guias do grupo HBD Príncipe. Partimos com destino ao hotel Sundy Roça, um dos hotéis do grupo na ilha. A viagem é curta e chegamos ao hotel ainda a tempo de tomar o pequeno-almoço pelas 9h30 e dar um mergulho no mar quente do Príncipe. Em apenas 12 horas, chegámos a um destino tropical, mas sem jet lag. Jantámos em Lisboa e tomámos o pequeno-almoço no Príncipe. Quantos destinos conhece onde isso é possível?
Sundy Roça: Da produção de chocolate ao turismo
A Roça Sundy já foi a segunda maior plantação de cacau na ilha do Príncipe. O nome Sundy vem do primeiro proprietário, o Senhor Dias. As roças começaram como centros de produção de cana-de-açúcar vinda da Madeira, e no século XVII transformaram-se em centros de produção de café e, por último, a partir do século XIX, de cacau. A planta do cacau chegou a São Tomé e Príncipe trazida por José Ferreira Gomes do Brasil em 1819, como ornamentação. Somente em 1822, iniciou-se a sua produção. Com a necessidade de mão de obra para trabalhar nas roças, vieram pessoas de Cabo Verde, Moçambique e Angola. Os trabalhadores eram distribuídos por várias roças, desde Sundy, Porto Real, Nova Estrela, Picão, até Belo Monte. Cerca de 460 pessoas viviam na Sundy, a maioria descendentes de Cabo Verde.
De 1913 a 1915, São Tomé e Príncipe foi o maior exportador de cacau do mundo, exportando entre 35 a 36 mil toneladas por ano, maioritariamente para os ingleses. No entanto, estes pararam de comprar quando perceberam que era de mão de obra escrava, iniciando-se o declínio da produção.
Após a independência de São Tomé e Príncipe de Portugal, em 1975, o Estado dividiu parcelas de terra, distribuindo-as pelos locais. Em 1990, uma praga do bicho da planta do cacau acabou com a plantação. Anos mais tarde, a produção recomeçou, mas já não na mesma proporção.
O grupo HBD Príncipe tem agora a concessão de duas roças no Príncipe: Sundy e Paciência. Ambas produzem cacau, com a Sundy tendo quase 400 hectares plantados e a Paciência 200. No total, chegam a ser produzidos sete a oito mil quilos de cacau por ano. A empresa procura reerguer a produção, não só com produção própria, mas através da compra a outros produtores para fazer exportação.
“O nosso cacau não deixou de ser o melhor cacau do mundo”, diz Ofreu, enquanto passeamos pela roça. Explica o processo de plantação, colheita e secagem, e os tipos de qualidade de cacau. Entre viagens ao passado e ao presente da história da roça, conta como era a vida em Sundy no século XX e o que resta dela no século XXI.
Atualmente, trabalham 30 pessoas na Sundy. Nos tempos áureos da produção, esta roça tinha oito roças “afiliadas”, o que significava que todo o cacau produzido era transportado para cá a fim de completar o processo final. Ainda são visíveis os carris para o transporte da mercadoria.
As roças funcionavam à base de uma hierarquia de poderes, assumida pelos feitores ou capatazes. Os trabalhadores viviam em senzalas, e as roças acabavam por ser cidades onde existiam creches, igrejas e hospitais.
Depois da independência em 1975, muitos trabalhadores foram embora e os que agora aqui vivem são descendentes dos que partiram. O último proprietário da roça Sundy foi José Jerónimo Carneiro, entre 1875 e 1975.
Em 2016, a Roça Sundy ganhou uma nova vida com a abertura de um hotel de charme com 15 quartos, fruto da concessão do Estado ao grupo HBD Príncipe – em São Tomé, os privados não têm propriedade. O projeto nasceu com a reabilitação da antiga casa do governador da roça, de estilo colonial. Mas há outros projetos para reabilitar o património existente na Roça. Nos próximos dois anos, a HBD Príncipe quer reabilitar as antigas casas comboio (como se chamavam antigamente as casas dos funcionários) e transformá-las em galerias de arte, lojas e alojamento.
Até dezembro de 2023, as casas comboio da Roça Sundy eram habitadas. Com a conclusão do projeto de reassentamento, 133 famílias foram viver para a Terra Prometida. Ainda falta reabilitar as antigas cavalariças, a creche (ainda em funcionamento) e o hospital.
Turismo sustentável
Domingo é dia de missa na antiga Roça Porto Real. Chegam pessoas de várias povoações próximas, vêm a pé, de boleia ou mota. Crianças, jovens e idosos reúnem-se na capela com acesso à rua. Porto Real era a terceira maior roça da ilha. Foi pertença de Maria Correia, figura destacada da história do Príncipe. O património edificado da roça está devoluto, com destaque para o hospital, coberto pela vegetação. Apesar de tudo, ainda é possível perceber a imponência da sua escadaria. Os hospitais das roças de São Tomé começaram a ser construídos no início do século XX. Eram edifícios imponentes para impressionar os principais compradores de cacau, os ingleses, nas suas visitas ao Príncipe, e daí a origem da expressão “Para inglês ver”.
A nossa presença na missa não distrai a maioria dos presentes, à exceção de um grupo de crianças. Seguem-nos na nossa visita ao hospital em ruínas, com alegria e curiosidade nos rostos.
O Príncipe tem cerca de 8 mil habitantes, mas o recenseamento que será levado a cabo nos próximos meses permitirá aferir ao certo quantos são e como vivem.
Fazemos um compasso de espera até terminar a missa para conhecer a Cooperativa de Valorização de Resíduos. Anabela Pina é uma das quatro artesãs que trabalham neste projeto, que nasceu em 2016. Abre-nos a porta do armazém transformado em fábrica e loja, explicando com detalhe o processo manual de transformação do vidro em bijuteria. Este é mais um exemplo da intervenção da HBD, que financiou o projeto, permitindo a formação das artesãs no Gana. O desenho das peças “vem da cabeça de cada uma”. Das 4 mil toneladas de vidro recolhidas por mês na ilha, uma parte é usada neste projeto.
A sustentabilidade é uma aposta da HBD Príncipe, que criou uma fundação com o objetivo de promover a sustentabilidade da ilha, das pessoas e da natureza, liderada pelo português Jorge Alcobia, desde janeiro deste ano. Em 2025, através desta fundação, serão pagos dividendos aos habitantes do Príncipe em função da preservação que fazem da ilha. À exceção de um projeto de conservação do Parque da Gorongosa, em Moçambique, não há registo de um projeto semelhante no mundo feito pela iniciativa privada, afirma o responsável. “Noutros locais, há projetos em que os governos estão envolvidos. Aqui é um privado que está a fazer, não há financiamentos públicos e não tem a força da lei”.
Jorge Alcobia diz que não querem ser vistos como uma Organização Não Governamental, mas apenas “mostrar que é possível desenvolver uma região tomando conta do planeta A, porque não há planeta B”. Explica que o fundador da HBD Príncipe, o sul-africano Mark Shuttleworth está disponível para exportar este modelo para outras regiões do mundo que apresentem condições semelhantes ao Príncipe, como estabilidade política e social. “É o legado que o Mark quer deixar, mostrar que é possível fazer diferente, cuidando do planeta A”.
Experiências no Príncipe
A estadia nos hotéis da HBD Príncipe inclui uma experiência por dia. O passeio de barco à Baía das Agulhas é uma delas. Partimos de barco da Praia Sundy em direção ao sul, podendo avistar algumas das mais belas praias da ilha como Micotó, Ribeira Izé e Margarida, enquadradas pela floresta tropical e pelas montanhas conhecidas por Pico Papagaio, Pico João Dias Pai, Pico João Dias Filho e Morro do Fundão. O nome Baía das Agulhas tem origem nestes picos, que se avistam com clareza da baía. Se a vista de terra é deslumbrante, a debaixo de água não fica atrás, por isso aproveite para fazer snorkeling – a atividade está incluída no passeio.
Outra experiência que pode ter é a visita à Roça Paciência, também concessionada à HBD Príncipe. Era uma antiga filial da Sundy e hoje tem produção de cacau, uma horta para consumo próprio e venda externa que pode ser visitada. Funciona aqui um atelier de cestaria, onde é possível aprender a história dessa atividade e participar em workshops.
Jaylson é o mestre da cestaria e faz as honras do atelier, dando uma breve explicação sobre o processo de fabrico e a sua utilidade nos dias de hoje. Por ser uma atividade em declínio na ilha, a HBD Príncipe quis reavivar esta arte. Jaylson aprendeu a arte da cestaria com o senhor Leandro, que morreu em 2023. É recordado nas palavras de Jaylson e no retrato exibido na loja da roça.
A visita prossegue até ao Miradouro das Antenas. Com 403 metros de altura, oferece uma vista sobre a paradisíaca Praia Macaco. Seguimos para outro miradouro, o Miradouro da Praia Banana, com vista sobre a praia homónima, uma das mais belas do Príncipe e cartão postal da ilha. Ambos são de acesso público, assim como todas as praias no arquipélago.
A cidade principal do Príncipe, Santo António, ostenta o título da cidade mais pequena do mundo e merece uma visita, sobretudo durante os dias da semana para poder assistir à vida na cidade. Antes mesmo de se aventurar pelas ruas, pare no Restaurante Mira Rio, local indicado para se refrescar com uma bebida na varanda panorâmica. O restaurante serve refeições ligeiras durante todo o dia.
O ponto principal da cidade é a Praça Marcelo da Veiga, escritor de São Tomé, rodeada de edifícios com arquitetura portuguesa. Daqui, é possível avistar o Centro Cultural Portugal, o Palácio do Governo, a Assembleia Regional, que funciona numa antiga igreja, e o símbolo da Independência.
Viver a natureza no Sundy Praia
Chegámos ao Sundy Praia ao entardecer. O hotel mais exclusivo do Grupo HBD Príncipe está situado junto à Praia Sundy, mas dele pouco se vê da praia. A vegetação densa esconde as 15 villas com tipologias de 1, 2 e 3 quartos, de áreas generosas. Aqui, o luxo não está apenas na decoração e nos serviços, mas na possibilidade de estar em harmonia com a natureza. Um dos destaques do Sundy Praia é o restaurante Ocá, pelo design em formato de baleia e a construção em bambu. Aqui são servidos os pequenos-almoços e os jantares, com noites temáticas inspiradas no chocolate, nos sabores da ilha do Príncipe ou na criação do chef.
Reservámos para o último dia no Príncipe um passeio de barco pelas praias isoladas do lado Nordeste da ilha. Ao longo do percurso, fizemos paragens nos lugares mais belos da ilha, para dar mergulhos nas águas límpidas e transparentes e contemplar a paisagem, incluindo a Praia Bom Bom, a Ribeira Izé, a Praia Burra – com a aldeia de pescadores e crianças a banharem-se, a Praia Banana, e a Praia Macaco. Finalizámos da melhor forma este passeia na Praia Boi, com areia dourada e água azul-turquesa.
INFORMAÇÕES ÚTEIS
Como Chegar?
Voos para São Tomé: A STP Airways tem voa uma vez por semana para São Tomé (partida de Lisboa às 00h05 e chegada a São Tomé às 06:20).
Voos para a Ilha do Príncipe: Voo diário, exceto às terças-feiras, entre o Aeroporto Internacional de São Tomé e o Príncipe. Recomenda-se reconfirmar o horário antes de viajar.
A bagagem máxima permitida para o voo interno é de 15 kg por pessoa. Acresce 5 kg de bagagem.
Hotel Roça Sundy
Site: hotelrocasundy.com
Tarifa: A partir de 415€ por noite (quarto para duas pessoas).
Descrição: Uma roça reabilitada com uma comunidade ativa. Oferece conforto e uma experiência autêntica relacionada à história das roças, do cacau e do café.
Incluído: Quarto, jantar, pequeno-almoço, bebidas da casa, chás e café no quarto, 1 experiência por dia (de acordo com a lista de experiências incluídas), transferes e Wi-Fi.
Ilha do Príncipe
Sundy Praia
Site: sundyprincipe.com
Tarifa: A partir de 955€ por noite (vila para duas pessoas).
Descrição: Com 14 quartos apenas é um hotel de cinco estrelas, elegante e localizado junto à praia, dentro da mesma propriedade da Roça Sundy.
Incluído: Quarto, jantar, pequeno-almoço, bebidas da casa, chás e café no quarto, 1 experiência por dia (de acordo com a lista de experiências incluídas), massagem de boas-vindas, transferes e Wi-Fi.
Hotel Bom Bom
Site: bombomprincipe.com
Tarifa: A partir de 510€ por noite (quarto para duas pessoas).
Descrição: Bungalows na praia, permitindo viver em comunhão com a natureza. Reabertura prevista para setembro de 2024.
Incluído: Quarto, pequeno-almoço, jantar com bebidas da casa, chás e café no quarto, transferes e Wi-Fi.
Ilha de São Tomé
Hotel Omali
Site: omalisaotome.com
Tarifa: A partir de 165€ por noite (quarto para duas pessoas).
Descrição: Hotel de cidade com 30 quartos situado a apenas 1,5 km do aeroporto de São Tomé, decoração elegante e espaço exterior generoso e muito agradável.
Incluído: Quarto, pequeno-almoço, chás e café no quarto, transferes aeroporto e Wi-Fi
5 indispensáveis da Ilha do Príncipe
A Roça Sundy (e a comunidade da terra prometida) foi uma das principais plantações de cacau da ilha. Atualmente, a roça está em processo de reabilitação, possibilitando a observação dos diversos edifícios e equipamentos utilizados durante a produção de cacau, conta com uma fábrica de chocolate, é o lugar ideal para quem deseja conhecer a história e a cultura da ilha.
As Praias do Nordeste, se gosta de praias de sonho, não pode perder a praia Margarida (próximo ao hotel Sundy Praia), praia Boi e a praia Macaco (acessível de barco).
A Baia das Agulhas é conhecida pelas águas cristalinas, tornando-se um lugar ideal para snorkelling. O nome “Agulhas” deve-se à paisagem com rochedos e picos que atingem os 900 metros de altura, e que se projetam na água, criando um cenário único e perfeito para a fotografia.
A comunidade piscatória da Praia das Burras, responsável pela manutenção da baía e do seu ecossistema, uma verdadeira imersão na cultura da ilha do Príncipe.
A cidade de Santo António, e sentir o ritmo da ilha, visitando o mercado, experimentando os restaurantes locais, e visitando os diversos projetos de capacitação como a cooperativa de valorização de resíduos, onde poderá ver como as mulheres do Príncipe criam joias únicas provenientes da reciclagem das garrafas de vidro.
Fabuloso!!